quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Pós-Guerra Fria na África

O continente africano foi durante o período das rupturas coloniais um cenário privilegiado dos conflitos indiretos da Guerra Fria. Como já observamos anteriormente tanto a URSS como os EUA por motivos diferentes apoiavam o afastamento dos países africanos de seus colonizadores europeus.

Do ponto de vista do método, em geral, as independências coordenadas pelos EUA tiveram um perfil mais “pacífico”, sem o uso direto de armas e no caso da URSS, as rupturas foram mais traumáticas, mais violentas. Muitas vezes, os conflitos se davam em fronteiras que detinham ideologias opostas, como Senegal e Guiné, por exemplo.

Ainda houve traumas internos com disputas violentíssimas entre guerrilhas, como se destaca o exemplo de Angola, com grupos armados pelos dois blocos da Guerra-Fria. Neste período, o sentimento internacionalista do socialismo esteve presente, quando tropas cubanas agiram em Angola e tivemos a presença de Che Guevara na região do antigo Congo.

A formação do chamado “Terceiro Mundo” em Bandung somado a episódios importantes para a África como a nacionalização do Canal de Suez e a posição de Nasser estiveram também marcadas pelo signo da Guerra Fria, pois setores, mesmo chamados de “não alinhados”, simpatizavam com o socialismo, nem sempre com o perfil “soviético’.

Neste sentido, a formação da OUA (Organização das Nações Africanas) e as lutas internas desta entidade também foram influenciadas pelas posições e disputas entre socialistas e capitalistas, algo natural num mundo politicamente bipolarizado, com pouco espaço para uma espécie de “terceira vertente”. Com isso, soviéticos e norte americanos acabavam tirando vantagens e algum proveito das contradições internas entre africanos.

As potências também se tornaram espécie de modelo para os Estados recém libertados pós 1960. Segundo Iliffe:

“O nacionalismo visava imitar os estados-nação mais modernos: não os governos minimalistas das sociedades agrícolas mas os planos de desenvolvimento e os mecanismos de controlo burocrático do mundo industrializado (em especial do socialista).”

Esta compreensível ambição dos novos países libertados não se concretizou por vários limites históricos, políticos e econômicos do continente africano esgotado e arrasado por séculos de exploração capitalista.

Além disso, o chamado neocolonialismo foi um fenômeno observado a partir das independências e no contexto de Guerra Fria. Segundo Lopez, o neocolonialismo seria um “colonialismo residual, escamoteado, oculto atrás das aparências da autonomia política”.

Politicamente independentes, mas com economias limitadas, os Estados africanos sofreram as chamadas “ajudas para o desenvolvimento” dos países centrais, denunciadas por figuras exponenciais como Krumah. Estas ajudas não resolveram problemas estruturais, mas eram paliativos para se manter elos de dependência em especial nas regiões mais frágeis do continente.

Nos países africanos mais desenvolvidos economicamente, foram mantidos laços com antigas metrópoles em comunidades econômicas “de colaboração”. O longo martírio colonial e suas conseqüências ainda são sentidas no continente, especialmente nos aspectos estruturais e na limitação tecnológica, mesmo após décadas de independência política. Neste mesmo período, nações se ergueram dos escombros da guerra (Japão, Alemanha, Inglaterra, entre outros) e ao compararmos com o continente africano, este está bastante distanciado desta recuperação, independente do lado que tenha optado durante o período de Guerra Fria.

Somente uma forte reparação histórica pode reverter este quadro, o que não termina com o perdão de dívidas externas que também algemaram o continente tão rico e tão espoliado desde o século XV pelos europeus.

O continente africano não poderia deixar de sofrer conseqüências e participar do maior conflito em toda a história da humanidade e suas conseqüências.
O clima democrático-liberal instalado no mundo após a queda do nazifascismo abriu uma era de declínio na velha concepção colonialista de intervenção direta e de novos métodos das potências para as relações econômicas e políticas internacionais.

Com a queda do colonialismo foi passado o “bastão histórico” para as mãos dos próprios africanos, após décadas de domínio direto europeu. Em geral, a opção mais observada foi manter e almejar estruturas políticas e sociais semelhantes aos dos países “mais adiantados”.

Neste sentido, especialmente EUA e URSS eram referências para os dirigentes africanos, a maioria destes formados nas academias européias. A Guerra Fria, inaugurada após os acordos de Yalta e Potsdam, acabaria temperando todo o decurso africano a partir daí, incidindo nos novos Estado e em entidades unitárias como a OUA, por exemplo.

Parece inegável que a inserção africana neste contexto, se por um lado ajudou a libertar o continente do jogo colonialista, por outro, não deu uma resposta ao subdesenvolvimento e ao atraso tecnológico fruto da exploração histórica e problema crucial em várias regiões do continente.

É importante considerar que a bipolarização presente neste período (1945-1991) era praticamente irresistível, mesmo para aqueles chamados “não alinhados”, para quem respingava o jogo de contradições globais. Também irresistível foi o neocolonialismo, iniciativa especialmente capitalista que assolou os novos países com relações internacionais nem sempre favoráveis.

A opção africana de manter as fronteiras construídas pelos europeus na Conferência de Berlim, o papel por vezes interesseiro de EUA e URSS no pós-guerra e mesmo as práticas das elites africanas somadas ao histórico sugamento das reservas do continente são elementos que ajudam a entender a realidade contemporânea do continente.

Uma possível reversão do quadro africano se encontra na construção de uma outra lógica societal, que supere os limites econômicos do mercado e das fronteiras nacionais. A colaboração solidária ente os africanos e mesmo entre aqueles que sofreram uma carga histórica semelhante pode ser um caminho de recuperação autônoma das possibilidades econômicas e sociais de um continente berço da civilização e da humanidade, que teve suas riquezas vilipendiadas pelo sistema político europeu até 1945 e depois pelo neocolonialismo presente em suas variadas formas mesmo até nossos dias.


Referências bibliográficas
• CHALIAND, Gerard. A Luta pela África: São Paulo: Brasiliense, 1982.
• FERRO, Marc. História das Colonizações. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
• HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
• ILIFFE, John. Os africanos: história de um continente. Lisboa: Editora Terra Mar, 1995.
•LOPEZ, Luiz Roberto. História do Século XX: Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987

http://www.duplipensar.net/artigos/2006-Q2/os-reflexos-da-guerra-fria-no-continente-africano.html



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